American Airliner Plane

quarta-feira, 20 de julho de 2016

MORRE, AOS 88 ANOS, ALICE EDITHA KLAUSZ, A COMISSÁRIA MAIS VELHA DO BRASIL




Alice Editha Klausz, a maior comissária de bordo da história do Brasil, faleceu hoje (20.07.2016), aos 88 anos. A causa de seu falecimento deu-se por problemas cardíacos. A ex-comissária da extinta Varig e a principal tripulante das rotas da FAB ao Polo Sul nos últimos 20 anos, morreu no mesmo dia em que se comemora o aniversário de Santos Dumont, o 47° aniversário do primeiro pouso na Lua, e, coincidentemente, os dez anos do fim da Varig. 

Em seus últimos anos de vida, Alice Editha Klausz recebeu o Diploma Mulher Cidadã Bertha Lutz, concedido pelo Senado Federal, que dificilmente gradua integralmente sua longa e frutífera trajetória.
Sua história de 55 anos na aviação começou em 1954, quando, aos 26 anos, conquistou uma vaga no primeiro grupo de aeromoças da Varig. Filha de pai húngaro e mãe alemã, seu domínio de idiomas estrangeiros serviu de asas à carreira que teve ainda o impulso de uma graduação em Direito e Biblioteconomia.
Os conhecimentos em biblioteconomia, aliás, foram úteis nos serviços de comissária. Desde o início de suas atividades na aviação, suas anotações e critérios na sequência do serviço relacionados ao atendimento mostraram seu diferencial. O presidente da empresa, Rubem Berta, chegou a pedir que o primeiro Manual para Comissárias e Balconistas fosse confeccionado por ela.

Ainda em seus primeiros anos como comissária, 
Alice Klausz  foi enviada à Europa para fazer estágios em centros de formação. Antes de voltar ao País, fez uma viagem ao redor do mundo, sob supervisão da Swiss. 
Em uma história de vida que se mistura à história de uma das maiores companhias aéreas que o Brasil já teve, Alice Klausz inaugurou vários voos da Varig em seus 35 anos na companhia, incluindo o primeiro da empresa a Nova York, na qual foi chefe de cabine em uma missão que durou 21 horas e passou por diversas cidades da América Latina.

Quando diretora da Escola de Comissários, a "Tia Alice" - como era carinhosamente chamada - formou mais de quatro mil comissários, atendendo também a vários presidentes, como Juscelino Kubistchek, João Goulart, Costa e Silva e Luis Inácio Lula da Silva.

Aposentada em 1989, 
trabalhou por mais quase 20 anos na equipe do Programa Antártico Brasileiro, no deslocamento para a estação Comandante Ferraz, na Antártida, como responsável pelo serviço de bordo e atendimento. No entanto, seus ensinamentos nos serviços a bordo permaneceram entre os colegas da Varig, e, na opinião de amigos e colegas, influenciou também pilotos e administração.

Homenageada por colegas, 
Alice Klausz teve lembrado um dizer que expressa sua dedicação ao trabalho: Ser exigente não era um capricho. Era um método. "Melhor reparar em cada detalhe, pois é isso que o passageiro faz. Então, melhor corrigir tudo - ou quase tudo - antes que eles o façam" .

Em seus últimos anos de vida, vivia apenas com a aposentadoria que tinha direito pelo INSS, uma vez que sua aposentadoria suplementar do Aerus (Instituto de Previdência Complementar) foi perdido com a falência da Varig.


Alice Editha Klausz - Uma história exemplar

Alice Editha Klausz nasceu em 1928, em Porto Alegre. Era descendente de húngaros, por parte do pai, e alemães, por parte da mãe. Até os nove anos ela só falava alemão. Formada em Biblioteconomia, começou a trabalhar aos 17 anos, no Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER) do Rio Grande do Sul, onde participou da organização da biblioteca dessa instituição e também trabalhou na formação das primeiras bibliotecas circulantes do SESI e do SESC.

Alice Editha Klausz começou a trabalhar na Varig em 1954, aos 26 anos. Ela fez parte da primeira turma de aeromoças contratada pela empresa para trabalhar no Super Constellation, avião recém-comprado para operar nas linhas internacionais. 
Como muitas outras jovens, Alice Klausz tomou conhecimento da seleção de candidatas ao trabalho de aeromoça através de um anúncio. A empresa aérea procurava jovens do sexo feminino que tivessem fluência em idiomas estrangeiros para trabalhar nas rotas internacionais. Ela era estudante de Direito e decidiu interromper os estudos (concluídos na década de 70) para entrar na aviação.
Fez sua inscrição e passou por todos os procedimentos de seleção; familiarizou-se com as atividades que iria realizar no despacho de passageiros e a bordo dos DC-3 e C-46, que eram os aviões operados pela empresa naquela época. Apenas no ano seguinte, começou a trabalhar no Super Constellation.
 A experiência de Alice Klausz como bibliotecária foi muito útil na nova empresa. Desde o início de suas atividades na aviação, ela chamou a atenção dos colegas pelas anotações que fazia sobre os procedimentos e a sequência do serviço relacionados ao atendimento dos passageiros. O próprio presidente da empresa, Sr. Rubem Berta, solicitou-lhe a elaboração do primeiro Manual para Comissárias e Balconistas, um trabalho que ela realizou com muita competência e que lhe rendeu merecidos elogios.
Depois, Alice Klausz foi enviada à Europa para fazer estágios em centros de formação de comissários e, antes de voltar ao Brasil, fez uma viagem ao redor do mundo, na companhia da Chefe das Comissárias da Swissair. Ao retornar ao país, ajudou a montar os cursos de treinamento e a Escola de Comissários da Varig. Sua história de vida sempre esteve relacionada à história da empresa. 
O voo inaugural para Nova York, com o Super G Constellation, em 1955, marcou o início das operações da Varig para os Estados Unidos. Iniciado no Rio de Janeiro – com escalas em Belém, Port of Spain, capital de Trinidad e Tobago, em Ciudad Trujillo, hoje Santo Domingo, capital da República Dominicana – o voo foi realizado em julho de 1955 e teve a duração de 21 horas.
Conforme publicado no folheto Smiles no ar (julho-agosto de 1997), em uma entrevista concedida em 1989, ano de sua aposentadoria, Alice Klausz relembrou fatos pitorescos daquele histórico voo:
"O serviço de bordo que o Sr. Rubem Berta idealizou não era para um avião, mas para um transatlântico, tal a sua opulência e requinte. Afinal, ele convidara o Barão von Stuckart, dono do lendário night club Vogue, no Rio, para criar os cardápios internacionais. Junto com o aristocrata e auxiliares do calibre de Berenzanski, ex-chef de cuisine do Tzar da Rússia, embarcamos numa inédita aventura de gastronomia aérea.
A bordo, os 80 convidados tiveram direito a um serviço imperial: caviar, foie gras, canapés frios e quentes montados em bandejas de prata e até faisão. Bebidas! Tudo que um bar – não um avião – deveria ter: oito variedades de uísque, conhaques raros, champanhes de adegas especiais e drinques preparados à la carte pelo barman.
O que ninguém suspeitava é que na minúscula cozinha do avião pulávamos por sobre caixas de porcelanas, cristais, talheres, provisões... E que ao aterrissar, cabia a nós, exaustos comissários, a tarefa de limpar o avião, desfazer os beliches, lavar e embalar pratos, copos e talheres. Ah, o lixo! Onde colocar tanto refugo?
A solução apresentada por Berenzanski, escoar as sobras por um buraco aberto no piso, provocou uma ira divina no Sr. Rubem Berta. Ele também quase foi à loucura com outro entusiasmo gastronômico: Berenzanski queria atravessar o corredor do avião flambando um suntuoso fettutini! Claro que a extravagância nunca foi ao ar, mas dá bem a dimensão do nível de exigências que caracterizariam as viagens internacionais da Varig.
A partir dessa experiência sui generis, o serviço de bordo ganhou eficiência e luxos que conquistaram o reconhecimento de concorrentes e passageiros. A Varig inaugurava uma nova era na arte de voar..."
 Em meados da década de 60, a Varig incorporou a Real Aerovias e também recebeu do governo a incumbência de substituir a Panair do Brasil nas linhas para a Europa, África e Ásia. Foi um momento importante e de grande expansão da companhia aérea rio-grandense.
Quando a Administração da Varig foi transferida para o Rio de Janeiro, Alice Klausz ficou encarregada de fiscalizar os hotéis da Rede Tropical que faziam parte da Real Aerovias. E quando a Varig assumiu as operações da Panair do Brasil, ela foi designada, pelo próprio Rubem Berta, para acompanhar e organizar os despachos da empresa na Europa. Mas isso acabou não acontecendo, em função de um problema de saúde que a afastou do trabalho por algum tempo. Problema detectado justamente nos exames que fez antes de ir para a Europa.
Ao retornar para a empresa, Alice Klausz encontrou na presidência o Sr. Erik de Carvalho, antes vice-presidente, substituindo o Sr. Rubem Berta que havia falecido. O grande empresário brasileiro, Rubem Berta, faleceu aos 59 anos, vítima de um infarto, em 1966. Foi um momento de comoção dentro da empresa e na sociedade, pois ele era uma personalidade de destaque no cenário nacional e muito estimado por todos os seus funcionários, amigos e conhecidos. 
Em 1967, Alice Klausz foi convocada pelo novo presidente para reorganizar e dirigir a Escola de Comissários no Rio de Janeiro. Durante 22 anos, dedicou-se à formação exemplar daqueles que representariam a empresa dentro dos aviões da Varig, nas rotas nacionais e internacionais, atuando em consonância com a Diretoria do Serviço de Bordo, cujo diretor era o Sr. Sérgio Prates. “Dona Alice”, como era conhecida, aposentou-se aos 60 anos. 

Em uma entrevista para o Jetsite.com, em 2009, ela falou de sua metodologia como Diretora de Ensino na Escola de Comissários:
"Ser exigente não era um capricho. Era um método. Melhor que nós reparássemos em cada detalhe, pois é isso que o passageiro faz. Então, melhor que nós corrigíssemos tudo ou quase tudo antes que os passageiros o fizessem. Eu lhe digo: só assim é que a Varig poderia competir contra as gigantes Air France, Lufthansa, Panam."
Sendo uma pessoa muito ativa, no mesmo ano de sua aposentadoria, Alice Klausz já estava pronta para novas aventuras aéreas. Ao tomar conhecimento do Proantar (um programa de pesquisa científica realizado pelo Brasil no continente gelado da Antártica, no qual a Varig colaborava fornecendo lanches para a tripulação), ela manifestou interesse em participar de uma daquelas viagens. Alguns meses depois, com muita emoção, recebeu o convite e o aceitou prontamente. Sobre sua primeira viagem no Proantar, ela relembra:
"No dia do voo, apresentei-me no Correio Aéreo Nacional e embarquei no Hércules C-130, assim como embarquei também em uma nova e emocionante etapa da minha vida. Ao chegar à Base Chilena Eduardo Frei, nosso ponto de aterrissagem na Antártica, não me contive de tanta emoção: todo aquele branco lindo, um cenário que não cabe em palavras para ser descrito!"
Experiente e observadora, já na primeira viagem que fez no Hércules C-130, Alice Klausz percebeu que o lanchinho frio servido aos passageiros e à tripulação deixava muito a desejar. Não havia forno a bordo para aquecer os lanches, nem outras coisas que ela considerava necessárias para um bom atendimento. Decidida a resolver aquela situação, ela usou seu prestígio e conseguiu junto ao presidente da Varig a autorização para melhorar a qualidade do serviço de refeições oferecido aos passageiros do Proantar, sem custos extras. Também conseguiu, depois de muito esforço, alguns equipamentos para a galley (espécie de cozinha do avião), incluindo o forno para aquecer a comida. Sem receber qualquer remuneração, ela passou a fazer parte da tripulação, como comissária voluntária.
Durante 20 anos de viagens na rota do Polo Sul (1989 até 2009), ela foi a responsável pelo serviço de bordo e atendimento nos voos, com a ajuda de alguns rapazes da Marinha e da FAB. Foram mais de 160 voos servindo tripulantes, pesquisadores, militares, políticos e civis, sempre com a preocupação de lhes proporcionar um bom atendimento. Durante os voos, ela preferia beber apenas água e deixava para fazer suas refeições nos aeroportos ou cidades de pernoite (Pelotas, no Rio Grande do Sul e Punta Arenas, no Chile). Despesas que, nos primeiros anos, ela pagava com seu salário de aposentada. Depois, a Marinha assumiu esses custos. 
O Programa Antártico Brasileiro, criado em 1983, é coordenado pela Marinha do Brasil e conta com o apoio da FAB (Força Aérea Brasileira). O Esquadrão da FAB, que opera um Hércules C-130 (avião de carga adaptado para transportar passageiros), transporta pesquisadores, equipamentos, alimentos e militares para guarnecer a Estação Brasileira Comandante Ferraz. Os pousos são realizados na Base Aérea chilena Eduardo Frei Montalva.
Em 2008, a FAB comemorou 25 anos de apoio à pesquisa científica do país e operação na Antártica. Na ocasião, a primeira tripulação que realizou o pouso no continente antártico foi homenageada. A frota ganhou um adesivo com o selo comemorativo dos 25 anos, pela história de abnegação e patriotismo. E Alice Klausz, a “Comissária do Hércules”, recebeu uma placa de bronze por seu dedicado trabalho realizado em mais de 140 voos no Hércules C-130.
Alice Klausz gostava de ostentar as rosetas das medalhas que recebeu: Mérito Santos Dummont, Mérito Tamandaré, Ordem do Mérito Aeronáutico e da Vitória. Também usava uma asa recebida da aeronáutica e o pinguim de ouro recebido da Marinha, quando completou seu centésimo voo. Em cada voo à Antártica, ela ganhava como lembrança um pinguinzinho de metal em formato de broche. Todos eles foram pregados no boné que ela guarda com carinho como lembrança de suas venturosas viagens, coroação dos seus 55 anos de atividades na aviação.
 Durante muitos anos, quando trabalhava na Varig, Alice Klausz postergou o quanto pode sua transferência para o Rio de Janeiro. Ela conseguia se deslocar com facilidade para os lugares onde exercia suas atividades, como administradora dos hotéis da Rede Tropical (Manaus, Bahia) e direção da Escola de Comissários (Rio de Janeiro). Mas sempre que podia voltava para sua residência, em Porto Alegre.
A partir de 1980, Alice Klausz fixou residência no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro. Fez de seu apartamento um templo sagrado e lá guardou as lembranças que recolheu em suas viagens ao redor do mundo: os troféus e medalhas que ganhou por merecimento, e tudo mais que fazia parte de sua aventurosa e profícua existência.
 Em uma entrevista concedida à revista digital TPM, em 2008, Alice Klausz disse que usava o computador depois da meia-noite porque não podia pagar banda larga... O que ela ganhava do INSS mal dava para pagar o plano de saúde. E acrescentou: “Vendi o que podia e aperto o cinto”.
Como todos os funcionários aposentados da Varig, depois de 2006, foi deixando de receber a sua aposentadoria suplementar do AERUS (Instituto de previdência complementar). Para sobreviver, aos poucos, foi se desfazendo do patrimônio que construiu ao longo de sua vida de trabalho.
 Em 2009, em outra entrevista concedida ao Jetsite.com, ao falar da saudosa Varig, Alice Klausz, emocionada, disse:
"A Varig foi a melhor universidade que eu cursei e sei que falo por muita gente. Praticamente tudo o que aprendi na vida foi na Varig. Ela não foi apenas uma universidade, foi uma verdadeira mãe para todos nós. A companhia cuidava do bem-estar de seus funcionários, que sabiam retribuir à altura. Foi um sonho, um sonho que se desmanchou.
Todos nós, que trabalhamos na Varig, antes da crise que se instalou na empresa (na década de 90), vivemos esse sonho. Com muita tristeza, ainda o acalentamos em nossas memórias."
Em 2010, aos 82 anos, Alice Klausz foi hospitalizada em consequência de um derrame. Alguns meses depois, retornou a Porto Alegre para morar junto de seus familiares. Apesar das viagens no Hércules C-130, que deram tanto sentido à sua existência, seus últimos anos no Rio de Janeiro não foram fáceis.
Neste ano de 2013 Alice Klausz comemorou seus 85 anos. Sua história merece um livro inteiro, só assim poderemos conhecer melhor os sonhos, as experiências e as realizações desta mulher brasileira, que se tornou um exemplo e uma inspiração para todos aqueles que se dedicam à arte de bem atender.

 I COMCOV 1976  -  Participação de Alice Klausz 
O Primeiro Congresso Mundial de Comissárias e Comissários de Voo foi realizado no Rio de Janeiro, em maio de 1976. Na ocasião foi criada a IFFAA (International Federation of Flight Attendants Association – Federação Internacional das Associações de Comissários de Voo).
Como Diretora da Escola de Comissários da Varig, Alice Klausz participou do evento com uma palestra cujo tema foi Treinamento de Comissários de Voo. Durante sua apresentação foram utilizadas projeções de slides e gravações de voz. Transcrevo sua mensagem dirigida ao público presente ao evento, por considerar interessante a maneira como ela própria via o treinamento e o trabalho dos comissários naquela época: 
"Meus colegas, é com grande prazer que participo deste grande conclave que reúne os comissários de todo o mundo. É para mim uma grande honra poder dirigir-lhes a palavra e falar-lhes a respeito de Treinamento, embora esteja consciente que nas vossas Empresas existam pessoas mais capazes e que se desincumbiriam muito melhor desta missão trazendo-lhes talvez algo de novo sobre o assunto.  [Uma fita é ligada e ouve-se o anúncio de bordo] 
Quando este anúncio é feito a bordo de um avião, podemos dizer que ninguém, ou quase ninguém sabe ou se preocupa em saber o que foi necessário, em matéria de treinamento, para que um comissário estivesse apto a fazer o anúncio, ou fazer com que a viagem do passageiro se tornasse a mais agradável possível convencendo-o a voltar a viajar na Empresa que representa o seu “pão nosso de cada dia”.
Sabem os passageiros que os comissários que os atendem devem ter passado por um curso, por um treinamento, mas saberão eles a extensão desse treinamento e da importância do mesmo? Sabem eles que desse treinamento dependerá a vida deles em caso de emergência? Terão eles a ideia de quantas matérias fazem parte do currículo de um curso de treinamento para comissários? Não creio.
Como estou me dirigindo justamente àqueles que já foram treinados, não vou tentar ensinar-lhes técnicas, programas, aplicações, pois caso contrário teria que remontar a Sócrates e sua escola. Teria que falar primeiro em Recrutamento, Seleção, Política Empresarial etc. e passaríamos aqui o dia inteiro sem exaurir o tema.
Vou falar sobre o treinamento que é dado aos comissários da VARIG que, de certa forma, é suis generis, e pelo qual fui responsável em sua primeira fase. E da minha preocupação, diria melhor, da preocupação de todos aqueles que são responsáveis pelo treinamento de comissários e comissárias, pois atualmente não estamos preparando nossos comissários para o que lhes é exigido a bordo pelas empresas.
O nosso treinamento se divide em duas partes bem distintas: na primeira fase dedicamos os nossos esforços para preparar os alunos para a obtenção da licença de voo, junto ao Ministério da Aeronáutica, sem a qual nenhum brasileiro nato ou naturalizado poderá desempenhar suas funções a bordo. Estão subordinados à Diretoria do Ensino e seu curso tem a duração aproximada de seis a sete semanas, sempre dependendo do número de alunos. Desta primeira fase as seguintes matérias são relacionadas:
[Os nomes das matérias são projetados em um painel]
 Conhecimento de aeronaves,
Segurança de voo,
Uso de máscaras de oxigênio
Combate ao fogo
Sobrevivência na selva e no mar
Primeiros Socorros
Puericultura
Teoria de Voo
Tráfego Aéreo
Tráfego Comercial
Regulamento da Profissão
Obstetrícia
Medicina de Aviação
Relações Humanas
Exercício prático de acidente simulado
Introdução à Empresa
História da Aviação
Aparência pessoal
Etiqueta
Equipamentos
Após o exame no Departamento de Aeronáutica Civil (DAC) e tendo sido o candidato aprovado, passa ele então para a segunda fase e é transferido para a Diretoria do Serviço de Bordo que complementa seus conhecimentos com mais as seguintes matérias:
 Drinks
Gastronomia
Sequência de Serviço de bordo
Normas do serviço de bordo
Documentação
Relações sociais
Todas essas matérias projetadas no painel são em geral as matérias abordadas em todas as escolas de comissários. Vamos agora falar sobre o que julgamos ser diferente dos demais centros de treinamento:
O nosso aluno recebe da Empresa um uniforme e assiste às aulas impecavelmente uniformizado. Se ele é proveniente de outra cidade ou Estado, é hospedado em hotel. Desde o primeiro dia de aula, os nossos alunos são conscientizados para a sua futura função. Dividimos os mesmos em grupos pequenos sob a supervisão de um deles, como se já fossem comissários a bordo de uma aeronave. A cada um deles é dada uma tarefa que, em síntese, representaria a tarefa que eles teriam a bordo. Desde o momento em que começamos o curso, são os próprios alunos que se responsabilizam pela supervisão da limpeza das salas de aula, pela abertura e fechamento das mesmas, luz, etc.
O material didático é providenciado com antecedência para que o professor, ao chegar à sala, já encontre tudo pronto para iniciar a aula. A limpeza dos banheiros e todas as irregularidades referentes a horários de professores e alunos são relatadas num formulário especial para que se acostumem a fazer seus futuros relatórios de voo. Na hora do “break” já aprendem a servir o cafezinho aos seus colegas, aos professores e à administração da Escola.
No hotel, temos sempre um responsável para providenciar junto à direção, as falhas que se apresentam referentes às refeições, limpeza e ordem dos quartos. Disciplina e obediência aos regulamentos da Empresa e do hotel são incutidos nos futuros comissários.
Procuramos, diariamente, antes do início da primeira aula ou após o término da última, conversar pessoalmente com os alunos para sentir seus problemas, suas preocupações. Incentivamos que toquem violão, cantem ou usem toca-fitas ou toca-discos no intervalo do almoço. Acreditamos que, por mais perfeitas que sejam as técnicas de treinamento, de nada adiantam se ao aluno não for dada uma assistência pessoal, uma demonstração de que ele não é simplesmente mais um número no computador da Empresa, mas um ser humano cheio de problemas e preocupações que nós procuramos solucionar, aliviar, compreender e ajudá-lo a superar.
As nossas instalações são as mais modestas possíveis, principalmente agora, após a fusão de nossa Empresa com a Cruzeiro do Sul, mas temos certeza de que o êxito de nosso treinamento sob certo aspecto se deve ao alto grau de capacidade dos instrutores e à preocupação que temos com o aluno como ser humano.
Uma vez terminada a nossa tarefa e a da Diretoria do Serviço de Bordo, o novo comissário começa os seus voos, ocasião então que, creio, começa a preocupação de todo aquele corpo de instrutores que o acompanham naquele momento.
As aeronaves, a cada dia que passa, levam um maior número de passageiros e o tempo de voo entre uma escala e outra é cada vez mais reduzido. O serviço de bordo é cada vez mais sofisticado e complexo, e as galleys não são adequadas funcionalmente para o tipo de serviço que a Empresa quer oferecer e oferece aos seus passageiros.
Agora, gostaria que ouvissem o que li na revista Passenger & Flight Service, num dos últimos números do ano passado e que reflete fielmente o que acontece em muitas Companhias Aéreas. É um artigo escrito por Miss Natalia Corich, que nos honra com a sua presença neste Congresso.
 [A seguir, é ligada uma fita com a gravação do relatório de Miss Corich, sobre o trabalho incessante e corrido de uma comissária durante o voo.]
 Miss Corich teve a felicidade de ver mudado o serviço de bordo de sua Empresa, dispondo agora de mais tempo para os seus comissários se dedicarem aos passageiros. Pergunto eu, quantas Empresas, entretanto, fazem ouvidos moucos aos relatórios de seus comissários, idênticos ao de Miss Corich? Sabemos que são muitas.
Os nossos Centros de Treinamento não estão aparelhados para preparar os seus alunos para estas maratonas como a descrita no relatório que acabamos de ouvir. Enquanto continuarmos a receber, em nossos centros de treinamento, seres humanos, não super-homens ou super-mulheres, ou figuras da mitologia grega com mais de dois braços e duas pernas, eu me permitiria fazer algumas sugestões que seria interessante fossem levadas pelos Sindicatos de Classe às Empresas como reivindicações:
1) Simplificação dos Serviços de Bordo, permitindo, assim, aos comissários um maior contato com os passageiros, dando-lhes mais atenção. Os futuros comissários são selecionados principalmente porque gostam de lidar com gente, porque são relações públicas natos. Pois bem, será que ninguém se deu conta de que, atualmente, os comissários mal têm tempo para dar BOM DIA, BOA NOITE ou ATÉ LOGO? Onde está o tempo para acomodar uma criança para dormir, alcançar o travesseiro e reclinar a poltrona de uma pessoa mais idosa, cobri-la com um cobertor? Tempo para conversar com os passageiros mais nervosos? Onde está a oportunidade de reconhecer um passageiro-problema logo no início do voo se os comissários nem têm tempo de se sentar para a decolagem?
 2) Exigir uma maior participação dos comissários no planejamento das galleys para que as mesmas deixem de ser simples depósito de material, sem funcionabilidade. Pedir aos fabricantes das mesmas a construção de fechaduras que não se abram na primeira decolagem ou aterrisagem trazendo uma grave ameaça à segurança pessoal do comissário. Que a força de um levantador de peso não seja exigida para abrir uma gaveta de liquor-kit. Por que os hot-cups e hot-jugse fornos queimam tão frequentemente? Por que as lixeiras vazam com tanta facilidade?
3) Não transformar os corredores dos aviões em passarelas de desfile de moda, exigindo dos comissários a troca de uniforme várias vezes durante o voo. Tempo precioso se perde nessas mudanças, além da exiguidade de espaço nos guarda-roupas que já são insuficientes para os passageiros.
Seria bom lembrar às Empresas que o passageiro viaja pela primeira vez em uma determinada Companhia aérea, graças ao trabalho incansável de nossos colegas de terra, de todas as categorias, que tudo fazem para lotar os aviões; mas se estes passageiros não receberem a devida atenção e consideração a bordo nunca mais voltarão a voar nessa Companhia. É para atender bem os passageiros, é para a sua segurança que os centros de Treinamento preparam os alunos comissários.
Finalizando a nossa palestra, eu diria que, se estas reivindicações sugeridas não forem atendidas, não vamos nos admirar se os nossos comissários continuarem, após algum tempo de voo, a ser candidatos a clínicas psiquiátricas e pacientes de ortopedistas. E nós, dos Centros de Treinamento, continuaremos de mãos e pés atados sem nada poder fazer. 
                                                                                                     Muito obrigada!"

1928 - 2016
Ser exigente não era um capricho. Era um método...
''Melhor reparar em cada detalhe, pois é isso que o passageiro faz. Então, melhor corrigir tudo - ou quase tudo - antes que eles o façam" .

Gostaria de ter tido a honra e o prazer de tê-la conhecido.

Concluo que era extremamente apaixonada por sua profissão. Para mim, mais que um grande exemplo... uma lição de vida!!!!

Aonde quer que esteja, ainda assim estará em grandes voos!!!


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